A primeira
eleição do reitor da Uni-CV a acontecer esta sexta-feira é já
considerada um marco na história da universidade pública do país.
Entretanto, afirma Corsino Tolentino, independentemente de quem ganhar
as eleições, elas trarão, no mínimo o reforço da legitimidade do reitor e
da instituição que representará.
Expresso das Ilhas – Que leitura faz da primeira eleição de um reitor da Uni-CV?
Corsino Tolentino – Concordo,
essas eleições serão históricas. E serão mesmo, pelo menos no
calendário da criação, consolidação e desenvolvimento da primeira e
única universidade pública de Cabo Verde. Por serem inéditas e quanto
mais não seja por isso, esta eleição ficará na história da educação
nacional. Para mim, isto está claro. Mas a importância do facto
reconhecidamente histórico dependerá de quem ganhar as eleições e
daquilo que fizer como consequência dessa escolha e durante o mandato.
Seja como for, eu creio que essas eleições trarão, no mínimo, o reforço
da legitimidade do reitor e da instituição que representará.
Logicamente, o reforço da legitimidade aumentará o poder da reitoria e
da universidade no diálogo com os parceiros, nomeadamente com o governo.
Mas as consequências da escolha dependerão da equipa que a eleita ou o
eleito constituir e da qualidade do trabalho que realizar. Portanto,
essas eleições criarão condições para o reforço da capacidade
institucional, para a elevação da capacidade de diálogo e aumentará a
possibilidade de o reitor ou reitora formar a equipa. Contudo,
conhecidas as circunstâncias económicas, culturais e políticas, muito
dependerá da atitude pós-eleitoral dos atuais candidatos: vão cooperar
em nome do futuro da Universidade e de Cabo Verde ou não? De todo o modo
é ao eleitorado que agora compete decidir.
O que é que distingue o programa das três candidaturas apresentadas?
Provavelmente as duas lacunas maiores
desta campanha eleitoral são o modesto interesse da sociedade e a
deficiente comunicação. Entendo que no futuro o caso merecerá mais
visibilidade. Creio que o assunto não tem tido a presença nem tem
suscitado os debates necessários. De qualquer modo, eu penso que os três
concorrentes são pessoas decentes e espero que ganhará aquela ou aquele
que merecer maior apoio dos seus colegas e do eleitorado que, como a
lei estabelece, é composto de professores, investigadores, funcionários e
estudantes da casa. Porém, para que seja Cabo Verde a ganhar, serão os
adversários de hoje, vencedor/a e perdedoras/res a reconhecer o mérito
eleitoral e a formarem com ele uma equipa unida, mais forte, para
realizarem a grande missão da Universidade ao serviço da nação. Por
aquilo que eu conheço dos três candidatos, posso afirmar que são pessoas
de bem, que não estão lá para ludibriar o eleitorado, capazes de
reconhecer o mérito àquela ou àquele que ganhar as eleições e de
mostrarem disponibilidade e de interagirem com a eleita, ou o eleito, de
forma a formarem uma equipa e de realizarem aquilo que se espera que a
Uni-CV faça.
Temos duas mulheres e um homem? Qual dos três candidatos tem melhor perfil, mesmo tendo em conta a questão do género?
Por aquilo que tenho observado e por
convicção, eu coloco em primeiro lugar o mérito, a competência. O género
vem depois. Até porque a sociedade cabo-verdiana vai precisando cada
vez menos de termos esta preocupação que pode até transformar-se num
preconceito. Para mim, o que importa é o lugar x, a reitora ou o reitor
da universidade pública de Cabo Verde, que terá de ser uma pessoa, um
cabo-verdiano, homem ou mulher competente, aberto ao diálogo e capaz de
consolidar e promover o desenvolvimento da instituição. Neste caso
concreto, não sou eleitor e não me vou pronunciar sobre o perfil
individual dos candidatos. Obviamente, enquanto cidadão interessado na
Educação como motor de desenvolvimento, verifico que tanto a Doutora
Amália Lopes, como a Doutora Judite Nascimento, quanto o Doutor Paulino
Fortes são pessoas eticamente corretas e ousadas, cientificamente
preparadas para o exercício do cargo. Têm plataformas eleitorais não
muito claramente distintas, quando a gente as ouve, vê ou lê. Mas será
imprescindível os eleitores conhecerem a visão e as prioridades dos
candidatos e cumprirem o seu dever cívico e institucional.
O facto de o Doutor Paulino Fortes ser o único candidato que pode apresentar balanço é uma vantagem?
Eu creio que não é necessariamente uma
vantagem e as eleições em outros sectores, nomeadamente eleições
políticas, dizem que estar no posto, ou ter estado, apresentam vantagens
e inconvenientes. Neste caso, eu acredito que o Professor Paulino
Fortes, pelo carácter pessoal, pela forma como ele decidiu abraçar a
causa e a eleição, não vai tentar, por uma questão de ética, qualquer
manobra de utilização do cargo para se fazer eleger. Até porque, por
força dos regulamentos, ele está suspenso, e por conseguinte vai em pé
de igualdade com as duas colegas. Para mim as duas colegas têm, pelas
funções que têm desempenhado em Cabo Verde e nomeadamente no mundo
universitário, o perfil e a coragem adequados à reitoria da Universidade
de Cabo Verde. De qualquer maneira, fico por aqui, porque eu só poderei
ter opinião e até dar palpites sobre o resto depois de a pessoa
vencedora me apresentar a respetiva equipa e as linhas orientadoras da
acção nos próximos tempos. Eu utilizaria o termo ‘são pessoas decentes’,
que estão empenhadas em servir a universidade, em servir Cabo Verde e
aí não vejo que possa haver vantagens importantes, porque todos os
candidatos são conhecidos do corpo eleitoral e portanto os eleitores
saberão, de acordo com os critérios legalmente estabelecidos, quem
melhor servirá a Uni-CV no papel de reitor/a.
O que é que vai mudar na vida
académica com a eleição do primeiro reitor na UNI-CV, pois continuará a
depender de uma grelha orçamental imposta pelo governo?
A escassez orçamental é mais imposta
pelo estado da economia do que pelo governo. Cabo Verde produz pouco.
Mas, será precisamente aqui é que iremos ver a diferença entre a gestão
actual e a gestão futura da Universidade: a gestão de um reitor nomeado
pelo governo e a gestão de um reitor eleito. Simbolicamente a eleição
terá grande influência no comportamento do reitor que passa a ter duas
grandes características: uma que é ser o escolhido da comunidade
universitária. É escolhido e isso implica uma co-responsabilização entre
o eleito e os eleitores. Por outro lado, está na expectativa legítima
do eleitorado, escolher um reitor capaz de discutir a missão da
universidade e os mecanismos de realização dessa missão com o governo e
com a sociedade. Vai discutir, designadamente com o sector económico,
com os jornalistas e com a Administração Pública os meios e os
mecanismos para realizar os compromissos. Esta obrigatoriedade que
decorre da forma como o reitor é escolhido, portanto pela via eleitoral,
reforça a sua autoridade no diálogo com o governo e com outros sectores
da sociedade e reforça a responsabilização da comunidade universitária.
Portanto, nunca será igual a um reitor nomeado pela via administrativa.
De qualquer maneira está a colocar uma questão que é fundamental, o
financiamento. Aí eu creio que não há possibilidades de termos uma
universidade a crescer bem, em números e qualidade do corpo docente, dos
investigadores, da missão universitária com apenas as verbas
previsíveis no Orçamento Geral do Estado. Isto é, ou há capacidade da
nova direcção para, apoiando-se nos estatutos, numa legitimidade
reforçada, nesse maior poder de diálogo, propor uma cooperação
internacional da qual resultarão mais recursos e mais visibilidade ou
tudo continua quase na mesma. A redefinição da própria missão e da
estratégia será um imperativo das eleições. Por outro lado, eu não creio
que qualquer reitoria de uma universidade em Cabo Verde, seja capaz de
limitar-se aos recursos do Estado e das propinas pagas pelas famílias.
Sabemos que isso é o mínimo, é imprescindível, mas temos de melhorar a
cooperação internacional. Eu até penso que provavelmente o reitor eleito
terá que dar uma clara importância a duas áreas que, em geral, não são
contempladas nas orgânicas institucionais: a relação com a economia
nacional e cooperação internacional. Porque é cada vez mais possível, se
fizermos bem o trabalho de casa, nós irmos buscar recursos financeiros,
técnicos e científicos mais gente especializada nas diversas funções
universitárias para ajudar-nos a fazer o que temos de fazer. Para além
desses dois aspetos, a Uni-Cv tem que decidir o que é prioritário: se é
aumentar a capacidade de acomodação, instalando em todas as ilhas e
criando cursos a torto e a direito, ou se será descobrindo outras formas
de democratizar o acesso e o sucesso na universidade, que não passam
necessariamente pela multiplicação instituições ou de campi.
Que leitura faz do cancelamento pelo governo do processo eleitoral já então em andamento?
Foi, obviamente, um erro evitável. Esse
cancelamento refletiu pelo menos duas coisas: deficiente programação e
recurso indevido à autoridade pública. Neste aspecto é sempre mau e,
naturalmente criou mal-estar no meio académico. Foi um mau exemplo e eu
insisto com os candidatos e com a comunidade universitária para basear
no Conhecimento e na Ética a sua postura em cada momento, em particular
na ora das escolhas cruciais.
O Professor Paulino Fortes disse
na altura não ter caído bem a suspensão das eleições, mas acabou por
aceitar o cargo de reitor. Este facto terá reflexos nestas eleições?
Se terá reflexos, não tenho informação
para avaliar esta espécie de ambiguidade ou contradição de Paulino
Fortes: por um lado eu defendo as eleições segundo está previsto, por
outro lado, há suspensão do processo e eu aceito ser reitor nomeado
administrativamente. Eu reconheço o seguinte no Doutor Paulino Fortes:
pode ser que ele tenha tido uma reflexão de natureza patriótica
traduzida mais ou menos nestes termos: eu não concordo teoricamente com
esta solução de suspensão, mas tenho o dever de contribuir para
chegarmos lá, ou seja, para criar as condições de eleições, e ele está a
cumprir essa parte. Para mim, essa ambiguidade é compreensível. Ele
encontrou-se numa situação de necessidade e terá dito algo como isto
‘mas alguém tem de agarrar este processo’. E tem de agarrar para quê?
Para levar às eleições.
É justamente o que critica a
candidata Amália Lopes: falta de autonomia que coloca a Uni-CV na
situação de quase tutela face à entidade governamental a ponto de os
Estatutos poderem ser modificados consoante as conveniências dos seus
dirigentes e também de falta de democraticidade em relação ao corpo
docente.
Conhecendo como conheço a candidata
Amália Lopes e mesmo sem domínio dos pormenores, tendo acompanhado a
evolução dos processos de criação e consolidação da Uni-CV, eu acredito
que ela tenha razões objectivas para fazer a crítica que faz. Por outro
lado, eu alerto para o seguinte: em Cabo Verde ainda criticamos em voz
baixinha, mas quando chega a hora de fazer e de participar, somos muitas
vezes reticentes. Portanto, eu espero que estas críticas sejam ouvidas
e que os críticos assumam todas as consequências delas decorrentes. Por
intromissão e também por auto omissão, tem-se a impressão de que, de
facto, quem manda na Universidade é o governo. Portanto, a candidata
Amália Lopes terá razões para fazer a crítica que faz e eu acrescentaria
que essa revisão [das alterações introduzidas, em 2011, nos Estatutos
da Uni-CV] será necessária por quem ganhar as eleições. Porque uma coisa
é receber dinheiro do Estado, coisa diferente é exercer, ou não exercer
as competências próprias de uma universidade. A universidade tem de ser
crítica, tem de ser autónoma para poder ser útil à sociedade e
eficiente na aplicação dos recursos. Portanto, esta tensão tem que
existir e é por isso é que eu digo que o próximo reitor tem que ser
muito criativo na formação da sua equipa, na estruturação da reitoria e
naquilo que levará ao aumento da autonomia da Uni-CV relativamente ao
próprio governo, ou qualquer outra força organizada, nomeadamente
económica, nacional ou estrangeira. Os caminhos que levarão a estas
soluções são os caminhos de maior afirmação, uma estrutura muito
competente para poder envolver quer o sector económico nacional, quer a
cooperação internacional.
Dependendo grandemente dos recursos do Estado não será fácil à Uni-CV libertar-se da sombra tutelar do governo.
Até hoje a obediência ao orçamento e à
vontade do Estado confundem-se, mas não está longe o dia em que a
Universidade como o Governo saberão claramente que uma e outro gastam
recursos do povo para realizar o seu bem-estar. A ideia de que temos de
ser boas meninas e bons rapazes para merecer um melhor quinhão do
orçamento do Estado é perversa e tem de acabar. Ou seja, pode-se ser
socialmente muito responsável, politicamente muito sério e exercer a
autonomia que um reitor de uma universidade pública tem de exercer. Não,
a Uni-CV tem de se afirmar nas suas pernas enquanto centro de
conhecimento útil à sociedade cabo-verdiana e ao próprio governo. Mas
tem de haver competência para a negociação e a gestão.
Judite Nascimento é outra
candidata que quer pôr cobro à falta de autonomia e “excessiva
intervenção directa do governo na Uni-CV”. Quais as razões desta
intervenção?
As principais razões são duas. Por um
lado, há uma ambição tradicional de manter a universidade como um
pequeno departamento do Estado, portanto sem assumir essa autonomia
intelectual e científica que é imprescindível, há esta tendência para
subjugar a universidade. Por outro lado, há a outra componente sem a
qual a primeira não funciona. É a falta de assunção pela comunidade
universitária da sua parte. É dessa tensão saudável, com uns a quererem
mais autonomia e outros a serem obrigados a ceder – porque quem poder
não o larga por vontade própria – é que resultará o equilíbrio
necessário.
A Professora Judite Nascimento tem perfil para conquistar esta autonomia?
Eu penso que sim mas, como disse há
pouco, nada está garantido. Primeiro, tem de convencer o eleitorado de
que tem esse perfil, depois tem de ganhar a eleição e, por fim, terá de
mostrar a equipa e as prioridades. Até agora, a única coisa que eu posso
dizer é que do meu ponto de vista ela tem razão. A autonomia, sejam
quais forem as causas, é quase nula e a Uni-CV é invisível fora dos seus
campi. Isso tem causas internas e externas e, para essa relação mudar,
bastará cada uma das partes assumir o seu papel.
A Professora Amália Lopes afirma
que neste momento temos uma universidade intervencionada. É mais uma
crítica à mão do governo dentro da Uni-CV?
Sim, por culpa comum aos
intervencionados e aos intervencionistas, que são as duas faces da mesma
moeda. Por sinal, não se vê grande diferença entre os candidatos sobre
esta matéria. Com maior ou menor ênfase, com mais ou menos cautela,
todos criticam o défice de autonomia. O consenso parece alargar-se a
domínios como a necessidade da reforçar o corpo docente através da
formação, da responsabilização, do convite a estrangeiros experientes
para trabalhar com equipas nacionais. Isso também é uma necessidade que
tem sido sublinhada e é muito importante. Depois existe a questão da
interacção entre as diversas unidades que não está respondida. Seja como
for, é crucial e vai exigir muita sabedoria e determinação nos próximos
tempos: a Universidade de Cabo Verde vai ser nacional ou não? E como
será? As respostas não são fáceis mas têm de ser encontradas. Com as
dificuldades impostas pelas características de Cabo Verde, a tentação é
de fazer o óbvio, que é criar um curso ou um liceu num sítio qualquer e
chamar-lhe universidade ou escola superior. É também frequente
tropeçarmos na questão linguística. A Uni-CV tem de decidir e fazer
saber que a língua oficial é o português, ponto final.
Os três candidatos prometem um
ensino de qualidade, mas como vai ser possível cumprir a promessa com os
Campi da Uni-CV superlotados e com bibliotecas mal apetrechadas?
Temos de reconhecer que um grande
esforço tem sido feito neste domínio e os resultados são palpáveis em
termos de livros e espaços e ainda de acessibilidade a bibliotecas
virtuais. O que considero pouco inteligente desonesto é não reconhecer
publicamente a grande escassez existente e fingir que tudo vai bem. Não,
a universidade não foi criada nem consome o que consome principalmente
para divertir a juventude ou mantê-la aparentemente ocupada.
Infelizmente, o embate das primeiras gerações de diplomados com o
mercado do trabalho está a comprovar isso. Isto é, a competência média
dos diplomados pela nossa universidade pública é baixa. Isso pode-se
comprovar: os estudantes chegam dos liceus mal preparados nas matérias
científicas e na comunicação. Portanto, se a universidade não for capaz
de resolver esta questão da língua do ensino e de ajudar o Estado na
resolução dos problemas acumulados da educação pré-escolar, do ensino
básico e do secundário, se não for capaz de atacar a questão orçamental
para aumentar os recursos nomeadamente através dos contactos articulados
com a economia nacional e com o estrangeiro, se não desenvolver uma
estrutura eficiente que permita ter informação sistematizada para poder
negociar eficazmente com o governo, não chegará muito cedo à qualidade
de que tanto se fala.
O que diria a um eleitor que deseje cumprir o dever de escolher o reitor?
Que vá escolher a melhor candidata ou o
melhor candidato e que assuma todas as consequências do acto. Faça as
contas, compare os talentos, escolha e seja coerente.Fonte: Antonio Monteiro, Expresso das Ilhas
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