17 de fevereiro de 2014

Estudar na China

A China atrai cada vez mais estudantes de todos os pontos do mundo. Chegam aos milhares atraídos pela qualidade das Universidades e outros estabelecimentos de ensino chineses, por uma cultura ancestral que coabita com a modernidade asiática e por uma economia dinâmica e crescente que abre oportunidades em grande escala. A nível de estudos superiores, a China está pois na moda e Cabo Verde não foge à tendência.

O auditório da Uni-CV, no Campus do Palmarejo, está meio lotado e a plateia é basicamente composta por alunos desta e outras universidades da capital e estudantes do 12.º ano. É sexta-feira, 7 de Fevereiro e aí decorre a Palestra “Estudar na China”, promovida pela Associação de Amizade Cabo Verde – China (AMICACHI), no âmbito da sua semana cultural.

O objectivo é mostrar um pouco mais da China e sua cultura e realidade aos estudantes Cabo-verdianos. Mais do que uma forma de tentar atrair – isso partirá da vontade de cada um – serviu para passar algumas informações úteis para o sucesso de quem embarque nesse desafio.

A palestra foi realizada “para a sociedade conhecer melhor os procedimentos e normas para quem esteja interessado em continuar os estudos na China”, explicara dias antes, José Correia, presidente da Associação e ex-estudante naquele país asiático.

“Eu tive a sorte de fazer parte da primeira leva de estudantes cabo-verdianos na China”, conta.

Entre o público, encontramos Paulino Oliveira, estudante do 3.º ano de Ciências Sociais, que apesar de atualmente estar “focado em terminar a licenciatura”, começa já a ver as oportunidades de mestrado.

“Tenho interesse em tirar um mestrado e tenho de conhecer as realidades, os países que oferecem o curso. Por isso, [a palestra] despertou-me algum interesse”, conta.

Neste momento há já mais de 210 estudantes cabo-verdianos na China e face à procura que, nomeadamente, as bolsas têm, o número tenderá a manter-se ou mesmo a aumentar.

São estudantes que se somam aos cerca de 200.000 que anualmente chegam à China, vindos de mais de 100 países para aí prosseguirem estudos e realizarem as suas investigações.

Estudar e viver na China proporciona a experiência de uma cultura antiga e da civilização moderna asiática, e traz largas vantagens no competitivo mercado de trabalho mundial. E quem por lá já passou, destaca o privilégio que foi poder ter tido essa experiência.


Uma Língua Universal

Nem tudo é fácil. Chinês parece mesmo chinês para os cabo-verdianos, passe-se o trocadilho.

Aprender uma língua tão diferente e complexa é pois uma empreitada de fôlego e alguns temem enfrentá-la.

Para Paulino Oliveira, a China não seria a sua primeira opção, uma vez que preferiria estudar num país de língua portuguesa ou inglesa. “Neste momento estou a priorizar o Brasil”, adianta, até porque existe um “protocolo forte” entre esse país e a sua área da Uni-CV.

Na realidade, a maior dificuldade na integração de um estrangeiro na China é mesmo a língua. Por isso, apesar de o Inglês ser língua fraca e geralmente ser aquela que é pedida como pré-requisito no acesso ao ensino superior chinês, convém desde logo ter algum contacto com o idioma.

“Quando comecei a estudar tive um ano de chinês. As aulas são em chinês e o material didáctico é em chinês e inglês”, recorda José Correia.

Além da universidade, a língua chinesa é essencial para o quotidiano. Sabendo dessas necessidades, a AMICACHI, da qual fazem parte vários ex-estudantes da China, já promoveu dois cursos de introdução à Língua e cultura chinesas. Eventualmente haverá mais, mas ainda sem data marcada.

Francisco Mendes, vice-presidente da AMICACHI, por seu lado, destacou, na palestra, que a aprendizagem da língua chinesa ajuda a desenvolver o raciocínio próprio do aluno estrangeiro uma vez que funciona a partir de uma lógica diferente e o obriga a pensar de uma forma também diferente.

Mas se a sua aprendizagem pode ser um desafio, uma vez ultrapassado este, potencialmente, dará frutos importantes para o futuro. O estudante ganhará domínio de uma língua que 1/5 da população mundial utiliza no seu dia-a-dia e que cada vez mais se impõe no panorama dos negócios internacionais.

Em Roma…

Em Roma sê romano, já diz o provérbio. E, portanto, na China sê chinês. Isso deve passar por respeitar e assumir os hábitos culturais e sociais do país e as suas condutas de boa educação. Posto isto, acredita quem lá esteve, a integração será fácil.

“A maior dificuldade é a Língua, o resto depende do carácter da pessoa e não da sociedade, porque a sociedade chinesa, eu acho, é muito aberta. É fácil integrar-se. Eu não tive nenhum problema de integração e muitos outros cabo-verdianos também não têm”, conta José Correia.

O Presidente da AMICACHI não sentiu um “choque cultural” quando, em 1995, chegou à China para estudar Economia. Houve simplesmente uma adaptação a um mundo muito diferente, hoje povoado por mais de 1340 milhões de pessoas.

Das coisas de que José Correia se recorda de lhe terem chamado a atenção foram: as bicicletas. “Muitas bicicletas, muitas pessoas. Aqui nós temos poucas pessoas, mas as ruas das China estão sempre cheias, mas não foi um choque, só uma realidade diferente”, reitera.

Ou mais do que uma realidade, para sermos exactos. Com uma área de mais de 9,6 milhões de quilómetros quadrados e 56 grupos étnicos etnias, a China apresenta diferenças notáveis entre as suas províncias, desde os dialectos, ao clima e gastronomia.

José Correia viveu 15 anos na China, 11 dos quais em Pequim e quatro no norte, em Changchun.

“Fiz um ano de licenciatura em Beijing (Pequim) e depois quatro no norte da China, na cidade de Changchun, que é província de Jilin (Universidade de Jilin)”. Depois começou a trabalhar e a fazer o mestrado, novamente em Pequim, onde morou até ao seu regresso a Cabo Verde, há três anos.

Olhando para trás, “não podemos dizer que numa determinada região é mais fácil de se integrar do que noutra, mas é claro que Beijing e Xangai são cidades que oferecem melhores condições para os estrangeiros”, por serem maiores e muito cosmopolitas.

Oportunidades

A China é uma “grande potência cuja importância não pode ser ignorada”, onde as oportunidades são muitas devido ao vasto mercado e número de empresas que aí operam.

Por exemplo, das 500 empresas destacadas pela revista norte-americana Fortune, praticamente todas elas têm algum tipo de relação com a China.

O mercado chinês é um mercado com grandes oportunidades não só para as empresas como também para pessoas que estão à procura de trabalho, especialmente para pessoas que dominam o chinês e alguma língua como o inglês ou o francês”, destaca José Correia.

Por tudo isso, abre-se essa “perspectiva de que depois de terminar os estudos o ingresso no mercado de trabalho é mais fácil”, salienta ainda o presidente da AMICACHI.

Essas vantagens não passam desapercebidas aos estudantes cabo-verdianos. Por isso “a China está na moda”, como referiu o embaixador da República Popular da China em Cabo Verde, Su Jian, na sua intervenção na Palestra. E isso é visível no número de alunos cabo-verdianos que anualmente concorrem às bolsas de proporcionadas pela Governo do gigante asiático.

O Ensino

Antes di bai, há outros aspectos que o aluno cabo-verdiano deve saber a nível de estudos em concreto.

O sistema de ensino chinês é exigente e o nível dos seus estudantes, elevado. As referências são portanto também altas e os estudantes estrangeiros devem esforçar-se para as atingir. Há quem critique esse mesmo sistema de formação, afirmando que privilegia o cálculo e a memorização do conteúdo, em detrimento da criatividade e capacidade de análise. Mas a verdade é, como provam testes internacionais como o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) – que avalia alunos de 15 anos de vários países - , os alunos chineses destacam-se.

Isto deve-se nomeadamente ao tempo que dedicam aos seus estudos e que é quase três vezes mais do que a média mundial (13,8h diárias contra a média de 4,9), pois num país populoso a pressão para conseguirem bons resultados escolares e consequentemente bons empregos é enorme.

Francisco Mendes, vice-presidente da AMICACHI, apresentou na referida palestra, “15 lições a aprender com os estudantes chineses”. Por exemplo, 80% dos alunos da China têm um tutor ou mentor académico que os acompanha. Fazer as lições de casa, não só as que são as que os professores estabelecem como ainda outras é também comum na China. E isso tudo passa também por investir mais horas no estudo, como referido.

Um outro ponto a destacar é que na China não há intervalos entre as aulas. E depois há a questão do respeito. A cultura chinesa impõe o respeito como um dos seus pilares e este deve ser cultivado dentro e fora da escola. “O respeito mútuo é parte fundamental do ambiente escolar chinês”, frisou Francisco Mendes, que estudou Economia na China, na sua apresentação.

As bolsas

Estudar fora tem os seus custos, incomportáveis para muitas famílias cabo-verdianas e por isso, sem surpresa, as bolsas foram o tema que maior interesse parece ter despertado na plateia de estudantes que assistiu à palestra. O estudante Paulino Oliveira frisa também esta possibilidade foi uma das questões que mais o motivou a assistir ao evento.

Além das diferentes bolsas estabelecidas por acordo bilaterais entre os governos, há bolsas a nível dos municípios, das próprias universidades, entre outras. Mesmo a AMICACHI tem já três bolseiros a realizar os seus estudos na China.

“Há vários mecanismos para se estar na China, neste momento”, salienta José Correia.

Mas as estipuladas por acordos bilaterais entre os governos parecem ser as mais apetecidas. De referir que neste momento está aberto o concurso para atribuição de 12 bolsas de Licenciatura, mestrado e Doutoramento, para o ano académico 2014/2015 na República Popular da China. A data limite de apresentação das candidaturas é 3 de Março de 2014 e poderão ser entregues na Direcção Geral do Ensino Superior nas delegações Escolares do MED ou no site www.dgesc.gov.cv As áreas consideradas prioritárias são Ciências da Saúde, Engenharias e Tecnologias, Arquitectura, Artes Plásticas e Design, Áreas de Economia, Gestão e Contabilidade e um dos requisitos obrigatórios para qualquer grau é o conhecimento da Língua inglesa, que será comprovado através de teste de proficiência.

Como referido a “China está na moda” e nos últimos anos a demanda tem sido maior do que a oferta pelo que as médias de entrada – que nos editais são de 14.00 – na realidade são muito mais altas do que o mínimo exigido.

“Hoje em dia devido à procura o verdadeiro mínimo é de uns 16.00. No ano passado, para seis, bolsas houve 40 inscritos”, referiu o vice-presidente da AMICACHI, Francisco Mendes.

Antes de se candidatar o estudante deve ainda ter a certeza do que quer estudar e onde.

“Há casos de insucesso escolar e pedidos de transferências ou mudança de curso. Isso está a aumentar na medida em que o número de estudantes está também a aumentar”, destaca José Correia. E tendo em conta que o governo chinês, neste momento, não está a aceitar esses pedidos, é importante sensibilizar para a importância da escolha do curso e da Universidade.

A procura para a China por parte de estudantes cabo-verdianos é já elevada, mas o estudante Paulino Oliveira acredita que poderia ser muito maior se a China publicitasse mais a realidade do país junto da comunidade académica.

Custo de vida

Para além das bolsas, há também cada vez mais estudantes que vão estudar na China por conta própria. E a China, apesar do enorme crescimento económico que tem atravessado nos últimos anos, tem um custo de vida relativamente acessível, pelo menos quando comparado com outros países.

Na Palestra fez-se um cálculo, por alto, dos gastos em Pequim. Assim um quarto no campus da universidade deve rondar os três mil escudos. Se o estudante morar numa casa arrendada fora da universidade o valor de cada quarto deverá rondar os 20 mil. A electricidade fica por cerca de mil escudos e a água é gratuita. Na cantina cada refeição custa à volta de 100 escudos.

Quanto às propinas, dependem da área e grau de ensino, sendo as de doutoramento, por norma, as mais caras. Assim, no geral, as propinas no ensino superior custam entre 185 e 895 contos anuais.

Ainda de referir que geralmente as Universidades privilegiam os melhores alunos, podendo os três melhores classificados ficar isentos do pagamento de propinas.

Quanto às recomendações para quem vai ou quer ir estudar na China:

“Estudar, é a melhor recomendação. Estudando consegue-se ultrapassar qualquer obstáculo, nomeadamente a língua”, e “temos de partir com o espírito de que temos uma missão e que temos de a cumprir”, aconselha José Correia.


Fonte/Texto: Sara Almeida, Expresso das Ilhas

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